domingo, 7 de outubro de 2007

GERAÇÃO EM CONFLITO


Ruas de Foz tornam-se o segundo lar de crianças e adolescentes

Lauane de Melo e Monique Suellen.
Era madrugada de 7 de abril, quando a abordagem foi feita. Ela tinha nove anos, criança de tudo, e ao invés de brincar com bonecas, estava com uma bituca de cigarro na boca. De mini-saia, top e chinelos: foi assim que os educadores do SOS Criança a encontraram, na região central de Foz do Iguaçu. Conhecida pelo pseudônimo de Vanessa, a menina-mulher possuía hematomas na parte interior da coxa direita e no pescoço. Já estava fora de casa há dois dias. Quando os educadores encontraram Vanessa, foram recebidos por tijolos. A pequena estava acompanhada por seis jovens, próximo a Avenida Juscelino Kubistcheck. Depois de 40 minutos de conversa, os servidores conseguiram levar todos para casa, com o apoio da Guarda Municipal. Os pais da menina receberam um termo de entrega e foram orientados a resolver o problema.
A educadora do SOS Criança, Aparecida Donizete dos Santos, 47, acompanhou o caso de Vanessa. “Ela é reincidente, não é a primeira vez que a abordamos”, diz.
Aparecida diz que Vanessa já passou por todos procedimentos de atendimento e o problema não foi resolvido. A última alternativa será abrigá-la e começar a prestar assistência a ela e aos pais, dois idosos que não agüentam mais esta situação, e não sabem o que fazer com a criança de nove anos. O caso da menina-mulher parece não ter mais solução. O que será dela e das tantas outras Vanessas, Brunas, Fernandas, Marianas de Foz do Iguaçu?
SOS 24h em ação - O trabalho do SOS não pára. O órgão, ligado à prefeitura, pertence à Secretaria de Ação Social e Assuntos da Família e presta serviços 24h. Durante a noite, a equipe faz vários atendimentos, uma média de 20 por turno. Geralmente, quatro educadores trabalham em cada plantão. Há 22 funcionários no total, sendo, uma coordenadora, 17 educadores e dois motoristas. Eles recebem também a visita de uma psicóloga uma vez por semana, que presta assistência aos jovens. “O mês passado batemos o recorde, chegamos a 30 abordagens em uma única noite, utilizando apenas um carro”, conta Aparecida.
O trabalho da instituição é de caráter preventivo e tem como objetivo o atendimento emergencial as crianças e adolescentes de 0 a 18 anos incompletos encontradas em situações de ameaças ou violação dos direitos fundamentais. Dependendo da situação, o menor é encaminhado ao Conselho Tutelar.
Em março deste ano, o SOS Criança fez 1.600 atendimentos, 167 abordagens de rua e atendeu 297 denúncias que envolviam a violação de direitos da criança e do adolescente, ou seja, situações de abandono, abuso, espancamento, conflitos dentre de casa, além de crianças encontradas fora da escola, sendo vítimas de maus tratos ou de exploração sexual.
Segundo a coordenadora do SOS Criança de Foz do Iguaçu, Edinalva Severo, normalmente as crianças abordadas trabalham nas ruas ou estão fora de casa em função das drogas. A maioria tem família e está com 13 a 14 anos (fase de transição da infância à adolescência). Grande parte vive nos bairros Porto Meira e Cidade Nova.
Edinalva ainda diz que a base familiar dos adolescentes atendidos, pertencente à classe social baixa, é desestruturada e vulnerável. Sempre há alguém na casa, seja o pai ou a mãe, dependente do álcool ou das drogas. Devido aos maus tratos da família, as crianças acabam se recusando a voltar para casa. “Eles reclamam muito da violência com que são tratados, isso faz com que percam totalmente o vínculo com suas famílias e o respeito por seus pais”, diz Edinalva. Assim, diante da situação vivenciada em casa, os jovens preferem se aventurar nas ruas da cidade, procurando ganhar dinheiro fácil e usufruir a liberdade no mundo. Alguns conseguem dinheiro pedindo esmolas e vendendo produtos em semáforos e até ajudam em casa, mas a maioria usa para sustentar o vício e comprar drogas. “Esta situação influencia os adolescentes e crianças a não voltarem para casa e à escola, porque para eles as ruas proporcionam tudo o que precisam”, completa Edinalva.

PARCERIA Conselho Tutelar e Vara da Infância integram o trabalho de resgate

Quando os educadores do SOS Criança recebem uma denúncia por telefone e encontram uma criança ou adolescente abandonado ou sofrendo maus tratos nas ruas, o primeiro procedimento a ser realizado é uma abordagem. Os jovens são recolhidos das ruas e conduzidos para casa, como foi narrado no caso de Vanessa, no começo desta reportagem. Essa situação é considerada como a primeira advertência. Se a mesma criança é encontrada novamente pelos funcionários da instituição, ela será encaminhada ao Conselho Tutelar. Os responsáveis recebem um comunicado e assinam um termo de responsabilidade, tendo a consciência de que, da próxima vez, o caso irá para o Fórum de Justiça.
Quando ocorre uma terceira vez, o menor é levado para a Vara de Infância e Juventude, onde será aberto um processo. Nesse caso, o adolescente terá o acompanhamento de uma assistente social e de uma psicóloga, que trabalham no intuito de procurar o problema que afeta o adolescente. Dependendo da situação, as crianças e adolescentes acabam encaminhadas para abrigos provisórios.
Casos que chegam a Vara da Infância sensibilizam funcionários
A área sócio-jurídica, o Serviço Social e o setor de Psicologia da Vara da Infância e Adolescência reúne profissionais que há alguns anos desenvolvem atividades nos atendimentos a adolescentes em conflito com a lei, crianças em situação de abandono, casos de adoção, reintegração familiar, orientações familiares, entre outros.
A assistente social da Vara de Infância e Juventude, Adriana Mendes, formada há 21 anos pela Universidade Federal de Juiz de Fora, revela que nessa profissão é necessário ter muita ética e saber lidar com o assunto tratado. “A área de atuação é a mesma para todos os técnicos, sejam psicólogos ou assistentes sociais, e cada um vai intervir de acordo com sua formação. Nossa equipe tem especialização em família, então damos muita atenção a este trabalho”, diz.
Adriana comenta um dos casos registrados recentemente na Vara. Segundo ela, uma adolescente de 17 anos engravidou e tempos depois descobriram que o bebê era anencéfalo. Mesmo assim, ela optou por ter o bebê. Não se sabe por quanto tempo o bebê vai viver, diz Adriana, mas a mãe está fazendo o pré-natal, escolheu a madrinha e todos os procedimentos para o sepultamento da criança foram tomados. “Vamos tomar os procedimentos para a mãe fazer o luto. Ela escolheu o nome da criança e está completando nove meses de gravidez”, conta Adriana. Segundo ela, apesar de tudo, a mãe está bem.
A assistente social ainda ressalta que essa é uma tarefa difícil, porque se trabalha com os sentimentos e emoções de uma pessoa. “Somos humanas, têm casos que lidam com emoções nossas, nossos medos e temos que ter uma estrutura emocional para poder assimilar. Esta menina que está grávida tem demonstrado uma força que muitas de nós não teve e nunca vai ter”, diz.
Adriana relata também a história de um garotinho de cinco anos. Segundo ela o menino esteve no abrigo desde seu primeiro ano de vida, pois acabou acometido por uma paralisia cerebral e a mãe, que foi ao local apenas uma vez, não tinha condições de dar a ele o mínimo necessário.
Há pouco tempo apareceu um casal disposto a conhecer o menino e resolveram adotá-lo. Segundo Adriana, hoje, depois de quase um ano com os pais adotivos, o garoto tornou-se outra criança. Balbucia algumas palavras e se comunica pela linguagem mais universal de todas: O AFETO. Pelo menos para esta história há perspectivas de um final feliz.
Os serviços prestados às crianças pelos profissionais da Vara da Infância são considerados exemplares. Eles dão o melhor de si, procurando solucionar os problemas familiares, incentivam as crianças a irem para escola, e em alguns casos procuram uma família ideal para a criança ou bebê, quando a sua original rejeita e não tem condições para cuidar.

COMBATE À EXPLORAÇÃO Dia 18 de Maio
O Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes foi criado em 2000, em função do assassinato da menina Araceli Cabrera Sanches. No dia 18 de maio de 1973, quando tinha apenas oito anos de idade, ela foi seqüestrada, estuprada, morta e queimada por jovens de classe média alta na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Completando quase 34 anos, o crime continua impune. A morte de Araceli se tornou um marco na luta contra o abuso e a exploração sexual infanto-juvenil. A data é lembrada com mobilizações do governo e da sociedade contra essa forma de violação dos direitos de meninas, meninos e jovens brasileiros.
Um estudo do governo federal concluído em 2005 aponta a exploração sexual de crianças e adolescentes como prática presente em 932 municípios. Das cidades identificadas, a maior parte está nas regiões Nordeste e Sudeste.
O Disque-Denúncia de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes da Secretaria especial de Direitos Humanos, que funcionou inicialmente com uma central 0800, recebeu de maio de 2003 a abril deste ano, cerca de 10 mil ligações. Dessas, 3,2 mil eram sobre abuso sexual e 1,7 mil de exploração sexual. Qualquer denúncia de maus-tratos, abuso e exploração sexual infanto-juvenil podem ser feitas pelo número do SOS Criança, 0800-451407.




Um comentário:

Agentes de Segurança Socioeducativo de Minas Gerais disse...

Nós Agentes de Segurança socioeducativo de Minas Gerais estamos enviando o endereço de nosso blog que é uma de nossas ferramentas de luta para valorização dos servidores e todo o sistema socioeducativo de Minas e do País.
www.agentesocioeducativo.blogspot.com
Mandamos um forte abraço.